segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

UM CHEF EXECUTIVO DA AS RECEITAS NAO COZINHA,,QUEM COPZINHA SAO OS CHEFS E AS COZINHEIRAS

 Quanto custa ter um restaurante com estrela Michelin?

15 Fevereiro 20151.023
Ana Cristina Marques
Gastronomia à parte, são precisos milhares de euros para manter um restaurante que conste no Guia Michelin. Porque nas contas finais também entram detalhes como o serviço, a loiça e a decoração.
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José Avillez, Miguel Laffan e Benoît Sinthon têm uma coisa em comum: estrelas Michelin e custos Michelin. Muito além de receitas inventadas de raiz e empratamentos originais, há um esforço financeiro que mantém aceso o lume da alta cozinha que, a cada dia que passa, requer tanta ou mais exclusividade quanto a que oferece. Mas não é só de comida que se fala: é preciso um determinado tipo de loiça, serviço e decoração. Afinal, quanto custa manter um restaurante com estrela(s) Michelin?
Estávamos em novembro de 2014 quando a gastronomia portuguesa acordou mais brilhante, com a nova edição do Guia Michelin a premiar 14 restaurantes, num total de 17 estrelas — mais duas do que no ano anterior. Foi o recorde. Uma história com um final ainda mais feliz se pensarmos que José Avillez tornou-se, então, no primeiro chef português com duas estrelas Michelin.

Foram 73 mensagens de felicitações em 40 minutos. Muitas ficaram por abrir, outras tantas por ler. Foi também a primeira reação do mundo exterior quando José Avillez recebeu a dupla distinção em pessoa, no evento de apresentação do guia realizado em Marbella, Espanha. “Devo ter recebido 250 mensagens em três horas”, acrescenta ao Observador, fazendo as contas de cabeça.

O entusiasmo não se ficou por aí: no dia seguinte, a equipa foi recebê-lo ao aeroporto — eram sete da manhã — e seguiram-se entrevistas para canais de televisão, com as habituais estações SIC, RTP e TVI a preencheram um calendário mais ocupado do que o habitual. A 20 de novembro, um dia depois de a notícia estalar, Avillez contou cerca de 200 notícias sobre o assunto só em Portugal. Ele e o Belcanto, o restaurante que reabriu em 2012 pelas suas mãos, eram tema de conversa. E que conversa.
"Luxo não. Acho que hoje em dia não se aplica. Há restaurantes com três estrelas que não têm toalhas na mesa, que são muito descontraídos. A exclusividade, essa, diria que sim." 

Chef José Avillez 

“Uma estrela permite crescer à volta de 40%”, conta José Avillez ao Observador. Se numa primeira fase o cliente é mais curioso, o chef atesta que a consolidação da estrela acontece nos meses seguintes, neste caso entre fevereiro e março, altura em que os turistas começam a invadir Lisboa e o guia já se encontra melhor distribuído. A primeira distinção Michelin chegou poucos meses depois de o Belcanto abrir as portas de cara lavada e outros reconhecimentos internacionais se seguiram. E uma coisa é certa: há um ano e meio que está sempre cheio.

Avillez não quer falar de valores (ao contrário de Miguel Laffan e de Benoît Sinthon). Em vez de números, prefere explicar a estrutura de um restaurante com estrelas Michelin, embora reconheça que não exista uma fórmula única. A dele passa por uma equipa de 25 pessoas, além de dez a 12 estagiários (15 se necessário). São sensivelmente 40 pessoas para trabalhar 40 lugares, num restaurante que fecha à segunda e ao domingo.
Apesar das folgas, no Belcanto trabalham-se 14 a 16 horas por dia e, para que tudo esteja dentro dos conformes, há uma hierarquia estabelecida na cozinha: chef executivo, chef de cozinha, subchef, chef de pastelaria e cozinheiros — além de copeiros e estagiários. “O resto é pessoal de sala”, esclarece o homem que tem a seu cargo seis restaurantes, cinco em Lisboa e um no Porto, referindo ainda o diretor de restaurante, chefe de sala e os empregados de mesa.

Na cozinha, diz, há uma espécie de ditadura militar. “Não se conversa na cozinha. Na altura do serviço é só o chef que fala e quem fala é para responder-lhe de volta”, garante, desfazendo-se, no entanto, de uma ideia de autoritarismo absoluto — à semelhança do que acontece nas cozinhas do programa de televisão Hell’s Kitchen, apresentado pelo escocês Gordon Ramsay.

Falando de comida, a carta do Belcanto aposta numa cozinha portuguesa revisitada que vai variando com frequência. Mas nem por isso Avillez se esquece dos ingredientes mais caros que vai introduzindo nos pratos de assinatura: como a trufa, cujo quilo equivale a uma despesa de quatro mil euros (ainda que só ocupe espaço no menu entre os meses de novembro e fevereiro). Acrescente-se que há pratos que levam dois a três dias a serem preparados e outros que chegam a ter 20 a 25 ingredientes.

Depois das confeções, a preocupação é o empratamento, que está diretamente relacionado com a loiça. Os pratos que fazem parte do louceiro do restaurante são mandados fazer por ceramistas que trabalham diretamente com a equipa do restaurante. Fora isso, recorre-se a marcas muito conhecidas no mercado, como é o caso da Vista Alegre. Apesar disso, o chef não acha que um restaurante Michelin seja sinónimo de luxo: “Luxo não. Acho que hoje em dia não se aplica. Há restaurantes com três estrelas que não têm toalhas na mesa, que são muito descontraídos. A exclusividade, essa, diria que sim.”
Atualmente, no Belcanto o preço médio de refeição anda à volta de 120 euros, sendo que o menu mais caro é 210 euros com vinhos incluídos. E o que é que as pessoas esperam quando vêm a um restaurante com esta conotação? “Acho que esperam ser surpreendidas. É bom superar as expectativas, mas não nos devemos tornar reféns disso. Não se consegue estar sempre a surpreender.”
"A cozinha é o mais importante, mas também se tem em conta a sala, a decoração, o estacionamento e a delicadeza como as coisas são feitas. É o cliente levantar-se para ir à casa de banho e o empregado trocar-lhe o guardanapo sem ele notar." 

Chef Miguel Laffan 

Miguel Laffan, o homem que pôs o Alentejo no mapa da constelação gastronómica

Ruído e charme, é o que o Guia Michelin trouxe ao restaurante do resort vínico de luxo L’And Vineyards, construído na pacatez de Montemor-o-Novo. “Foi quase uma bomba”, conta Miguel Laffan ao Observador do outro lado da linha do telefone. Refere-se ao efeito Michelin, que fez com que o mundo descobrisse, de repente, um chef, um resort e uma região “fantástica”. Assim que ganhou a primeira estrela — a qual ainda mantém — a faturação começou a crescer. Teve de aumentar a equipa de sala e gerir um pouco melhor as reservas. Se resultou? Miguel Laffan conta que fechou o ano de 2014 com 40% de faturação e que 30% é pura responsabilidade do cunho Michelin.

Conseguir uma estrela tem que se lhe diga, atesta Laffan: “É um conjunto de coisas. Obviamente que a cozinha é o mais importante, mas também se tem em conta a sala, a decoração, o estacionamento e a delicadeza como as coisas são feitas. É o cliente levantar-se para ir à casa de banho e o empregado trocar-lhe o guardanapo sem ele notar.” É um verdadeiro exercício de pormenores que, no final do ano, pode sair caro. Quanto? Cerca de 200 mil euros anuais em comida e vinhos e 220 mil euros, também por ano, em staff. A isso Laffan acrescenta: “Faturei um milhão de euros em 2014 e tive um lucro de 0,5%.

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